MORENA

         Na casinha simples, dois cômodos apenas, e uma caminha pra mim.
À tardinha quando chegava, ajudava a aprontar a cama para dormir. Quando a gente ía dormir um cheiro de flit no ar. Lembro de ser sempre, a ultima a deitar, e depois de vê-la deitadinha, colocar aos seus pés, um cobertorzinho velho, para aquece-los.
A gente deitava cedo, mas não dormia de pronto. Lembro de custar tanto pra dormir, porque achava que tinha alguém escondido no roupeiro, mas era sempre tranquilizada, porém muitas vezes, sem querer o colchão amanhecia molhado(hahaha).
Recordo as conversas longas, que me enchiam de orgulho por parecer adulta, mesmo sendo criança. Aos poucos sua voz me embalava, e quando dizia que era hora de virar pro canto, tudo aos poucos se apagava.
E o resto era sonho...
Lembro de acordar em uma manhã de verão, ouvindo uma voz ao longe, me chamando pro café. A voz era firme, mas cheia de uma ternura, que nunca se apagou dos meus ouvidos. Um cheirinho gostoso invadia aos poucos todo o espaço. Café com leite, numa canequinha e pão, pareciam tão saborosos, que nunca mais provei sabor igual.
A gente conversava com um som abafado ao longe do radiozinho de pilha, que não se desligava o dia inteirinho.
Me encantavam suas mãos fininhas e cheias de rugas, e me lembro de pensar que nunca as perderia. Me lembro de não saber compreender como é que a gente envelhecia.
Nos preparávamos pro almoço, e era o mais gostoso, eu chamava de guisadinho de batata, mas até hoje não sei como ela fazia, era como se de suas mãos brotassem temperos especiais e únicos, que nunca mais achei igual.
Eu aprendia que depois precisávamos colocar todas as coisas em seus lugares, para descansar, e o radiozinho a tocar.
Muitas vezes depois do almoço eu não queria deitar, mas cobria seus pezinhos e ficava observando a respiração pausada, e ria quando a ouvia, devagarzinho, começar a roncar baixinho.
Muitos dias foram assim, as poucos eu fui crescendo, aos poucos eu não podia mais ficar tão perto. Aos poucos o tempo foi passando, e eu a vi envelhecendo um pouco mais. As mãozinhas se enchiam de rugas, os olhinhos ficavam distantes muitas e muitas vezes.
Eu começava, aos poucos a pensar que sabia de tudo um pouco e cada vez mais.
Quando via seus olhos aos poucos se apagarem, lembro de ter imaginado que não iá ser nada, porque ela parecia tão forte, ela parecia tão maior que tudo que a gente imaginasse.
E o tempo passava lentamente, e na minha imaginação, tão inexperiente, o tempo iá curar todas as feridas do seu corpo.
E o tempo nos traiu, roubando, bruscamente, você de mim.
Hoje não sinto mais suas mãos, não sinto mais seu cheiro, nem ouço sua voz.
Hoje já nem sei mais quanto tempo passou, porque agora sei que ele foi rápido demais.
Muitas vezes quando deito pra dormir, lembro a sua voz dizendo:
  • Bueno Kika, vamô virâ pro canto, é hora de dormi.
Quando me sinto muito só, lembro de lhe contar, nas muitas vezes que ficamos juntas, o que eu queria ser quando crescesse. E eu sempre pensava que mal podia esperar pra que isso acontecesse.
Hoje, tragicamente, o futuro chegou, mas, felizmente, lembranças inesquecíveis, fazem eu ser quem sou. Talvez eu não tenha conseguido ser tudo que eu sonhava, talvez eu nem consiga.
Mas a esperança de um dia, nem que seja o último, sentir novamente a sua mãozinha fininha, se apoiando no meu braço pra caminhar, ainda me ronda.
Hoje eu sei que, na verdade, eu não a guiava, eu era guiada lentamente. As vezes, vejo meu rosto no espelho e nem lembro quem fui de verdade, as vezes me perco, as vezes nem quero pensar.
Mas me lembro de ter sido criança o bastante pra você me embalar.
Isso sim, é amor de verdade e nunca vai passar.
Nunca me pediu nada, e tampouco eu pude dar. E embora, não a veja, sinto sempre um respirar que me avisa, quando é hora de esperar, quando é hora de ouvir, quando é hora de adormecer, quando é hora de sonhar, quando é hora de acordar.
Eu nunca esquecerei porque depois que adormecia tudo era sonho, e hoje quando durmo quero tanto lhe encontrar, poder dizer a falta que sinto, poder novamente lhe abraçar.
Dizer que cresci e que o que mais aprendi foi a não esquecer de re sentir, tudo de bom que veio de ti. Lembrar de um ou outro sorriso escondido, de uma ou outra conversa particular e cheia de segredo. Lembrar que nunca te esqueci, que nunca esquecerei aquilo que não deixo de amar.
E ao dizer tudo isso, sentir no meu rosto uma lágrima muda a cair, encerrando dentro de si toda a saudade que o meu peito concebe imaginar.
Essa mesma lágrima será a reticência que impede a frase de ter fim e impede meu mundo de existir longe das lembranças, da minha infância, cheia de ti.


P.S.: À minha Avó, que tanto amei , M.L.S.



Comentários

  1. Fê quase q não consigo ler ,tive q começar varias vezes ,porque minhas lagrimas me cegavam.Obrigada por todo esse amor q tu sempre deu a essa mulher q foi na minha vida o meu tudo.....Vc não tem idéia da emoção q meu coração sentiu... oBRIGADA POR ESTA LINDA HOMENAGEM PARA A Dna MORENA!!!!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

A flag

Cúmplice

:(